Entrevista Parte2: Carlos Latuff, arte a serviço da transformação

Lafuff cria desenhos de crítica à política do Estado de Israel.
Popular em muitos lugares do mundo, o chargista brasileiro Carlos Latuff ganhou o globo com suas charges de protesto. Entre as temáticas mais abordadas por ele no Brasil estão a causa indígena e a violência e extermínio que sofrem os jovens do país. No entanto, foram e continuam sendo os desenhos de crítica à política do Estado de Israel e sua adesão à causa palestina os que ganham adeptos e críticos ferrenhos, principalmente no Oriente Médio.

Adital – Por conta do enfoque que você dá à causa palestina, você chegou a sofrer algumas ameaças. Como conseguiu lidar com essa situação? As ameaças continuaram?
CL –
 Não, não continuaram. A ameaça mais contundente foi em 2006, quando um site ligado ao Likud, que é o partido, inclusive, do Netanyahu, publicou um dossiê a meu respeito e conclamava os leitores a tomarem medidas contra mim, e dizia que Israel já deveria ter tomado conta de mim há muito tempo de um jeito ou de outro. E, depois que aconteceu isso, chegou uma informação aos meus ouvidos, passarinho verde me contou, que uma organização judaica no Brasil já estava ventilando a possibilidade de me assassinar através de meios menos ortodoxos, digamos assim.

Quando você pensa em um assassinato por questões políticas, você imagina um agente do Mossad (serviço secreto do governo de Israel) com uma arma, com silenciador; mas, não, estava se pensando em pagar um bandidinho de favela para me balear na esquina e dizer que era um assalto. Essa informação tinha chegado na época para mim e não se cumpriu, como você pode ver não é!?

Hoje, o que mais acontece são campanhas de difamação: associar críticas ao Estado de Israel, como antissemitismo, como ódio aos judeus. A última polêmica mais séria sobre isso foi quando uma organização, dita de direitos humanos, lá em Los Angeles, me classificou como o terceiro antissemita do mundo. Do mundo! Nem o esquimó lá no Alaska poderia ser mais antissemita do que eu.

Obviamente, que esse tipo de acusação vem perdendo a força. O Roger Waters — essa lista é anual — também foi tido como um dos maiores antissemitas do mundo por conta do seu apoio à causa palestina. Virou estratégia manjada associar ao antissemitismo, ao ódio contra os judeus, críticas ao Estado de Israel, e eu sempre deixei claro isso. As minhas críticas não são uma questão religiosa, étnica, ela é pura e simplesmente uma questão política.

Assim, como você criticar o presidente da Turquia, que é muçulmano, não é ser antimuçulmano. Você criticar o rei da Arábia Saudita, que é muçulmano, não é um ataque à fé islâmica. Da mesma maneira que criticar o Estado de Israel, as suas lideranças políticas ou mesmo seus militares não é ataque ao judaísmo, até porque Israel não representa a totalidade dos judeus, muito menos o judaísmo. Um Estado islâmico não representa o Islã. A Arábia Saudita é o Estado islâmico, inclusive é onde está Meca, Medina também, são os lugares mais sagrados para os muçulmanos, mas ela não representa os muçulmanos. Um Estado não representa a totalidade de um povo, muito menos de uma fé, de uma religião.

 

Adital – E como começar a mudar o enfoque muitas vezes estigmatizado que as grandes empresas de comunicação costumam dar sobre os conflitos na região? Isso pode mudar ou, realmente, são os meios de comunicação alternativos que têm de dar outro enfoque?
CL –
 Eu acho que a mídia ocidental tem sido muito pró-Israel. Acho pouco provável que mude a posição da imprensa, mas eu acho que nós que temos a consciência, que conhecemos de perto a questão palestina, temos esse dever de contrapor esses clichês, esse lugar comum que a imprensa alimenta. Mas é interessante porque a imprensa não alimenta somente o lugar comum da Palestina, ela alimenta, por exemplo, a questão da violência policial, essas manifestações agora que estão acontecendo pedindo impeachment; a imprensa também tem interesse nisso. Ela tem um enfoque para um protesto, para uma greve, e tem um enfoque para um protesto que pede o impeachment da Dilma.

A imprensa corporativa, o mainstream media, tem lado. Inclusive, o sujeito que estuda jornalismo, geralmente os professores dizem que não têm lado, “bons jornalistas não têm lado”; isso é a pura mentira, ele pode não confessar o lado. A imprensa daqui ou de qualquer lugar no mundo tem lado; ela pode não confessar. Ela bate no peito e diz: “somos isentos”. Não existe isenção! Isenção é “meuzovo”, como se diz aqui. Ela tem lado e eu também tenho lado. Meu lado é do lado dos palestinos.

Adital – Depois do ataque ao Charlie Hebdo, em Paris, o tema “liberdade de expressão” veio mais uma vez veio à tona. O que você pensa sobre isso?
CL –
 “Liberdade de expressão” é um valor subjetivo. Por exemplo: eu xingar a sua mãe é liberdade de expressão? É! Eu tenho o direito de falar, de xingar sua mãe. Mas não posso achar que isso não vá ter repercussão. Eu não posso ser impedido de xingar a sua mãe, mas eu tenho uma responsabilidade. Eu poderia criticar a sua mãe. Quando eu digo: “você é um filho da puta”, isso não é discussão, isso não é debate, isso é uma ofensa gratuita.

O direito de fazer isso qualquer pessoa tem, ela não deve ter censura prévia. Agora, o problema é esse: não é uma charge. Foram sucessivas. Tem um histórico, desde 2006, fazendo charge sobre os muçulmanos da maneira mais pejorativa, da maneira mais ofensiva que se pode ter. Eu posso fazer um desenho aqui, agora, e colocar assim: “Alá”, e não é escrever “Alá”, é desenhar um sujeito de barba, ele poderoso lá no céu jogando um raio contra o islamofóbico. É uma charge positiva! Eu estou endeusando, eu estou homenageando, fazendo uma ilustração de Maomé. Só isso, mesmo elogiando, já é ofensivo.

Para o Islã, qualquer representação de um profeta, ou mesmo de Alá, já é ofensivo, independente se o desenho é bom e se é elogioso ou não. Quem fez a charge de Maomé de quatro faz uma crítica ao islamismo? É uma crítica sobre como o islamismo tem sido manipulado por lideranças políticas ou religiosas? Não! Isso é um ataque frontal ao muçulmano.

O cartunista não faz desenho por acidente; ele quer atingir um objetivo. Quando ele fez esse desenho, entre outros, ele queria atingir esse objetivo. E o objetivo é ofender. Gratuitamente! Liberdade para fazer isso eu defendo, mas para quê? Dentro de um contexto de islamofobia na Europa? Isso serve a que propósito? Mas o Charlie Hebdo é o paladino da liberdade de expressão. Isso aqui não está defendendo a causa da liberdade de expressão, está defendendo a pauta da extrema direita na Europa, que concorda com esse tipo de coisa. E o pessoal doCharlie Hebdo não é idiota, isso foi deliberado.

Agora: é justo ter entrado com uma kalashnikov e fuzilado todo mundo? Não! Agora, é aquele negócio, eu posso xingar sua mãe, mas achar que vai passar em brancas nuvens… Qual o limite? O limite é o bom senso. É a mesma coisa que você criticar as políticas do [Barack] Obama [presidente dos Estados Unidos] e chamá-lo de macaco. Eu posso, por exemplo, fazer críticas, trazendo para a realidade aqui do Nordeste, à oligarquia nordestina sem enveredar pelos estereótipos do nordestino. Então, tudo isso é questão de bom senso.
Cartunista Carlos Latuff com criança palestina em um campo de refugiados na Jordânia.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here